terça-feira, 9 de março de 2010

MINHA PAISAGEM

Voltando à minha dieta para o cérebro, resolvi que até o final deste ano aprendo uma nova língua. Para minha próxima viagem quero estar falando fluentemente o francês e o italiano.

Comecei ontem meu curso e à procura de meus velhos cadernos de estudos em meus guardados, encontrei um manuscrito, escrito por mim há...mais ou menos uns 10 ou 15 anos.
...sincronicidade total sobre meu post de hoje mais cedo onde falo sobre as energias das paisagens que não estão ligadas na tomada..

Segue a transcrição do mesmo:





Ganhei uma paisagem, andava precisando. Diria que é um santo remédio para desgaste, ansiedade e solidão. Podem achar que não, mas paisagem faz companhia. O hábito de morar em montanha cria o hábito de gostar de paisagem. Imagino o desassossego de quem mora no pampa, aquela falta de acolá. Deve ser difícil para um menino gaúcho imaginar que a terra é redonda.

Do alto dá pra relativizar, e esta é uma das coisas que se aprende abrindo a cortina. Até as serras perdem a altura e uma certa ostentação de verde. Encaixam-se umas nas outras, como cenários de papelão, e vão ganhando os tons de azul, o azul planetário que encantou o primeiro astronauta, Yuri.

O enorme se apequena - lição de humildade - mas tudo é tão vasto que a pequenez não tem fim. É mais comum encontrar sábios e santos nas montanhas que nas planícies. A humanidade sempre valorizou a vista, construindo campanários, castelos, torres, belvederes, terraços, arranha-céus. Contudo, para o essencial basta uma janela bem colocada.

Inicialmente é preciso querer ver. Senão, caímos em Manuel Bandeira: "Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? - O que vejo é o beco".

Olhar para dentro às vezes dá vertigem. Muita gente foge da janela ou da alma e prefere o monitor. Se deixassem por um momento esta falsa janela, perceberiam que há um sutil e talvez inexplicável apelo na paisagem.

Que tem ela que tanto fascina os pintores? O desenho? O movimento quase imperceptível? A Luz? O que os leva até ela? Nostalgia de asas? Busca de paz?

De manhã, o ato de abrir a janela tem seus significados. Porque a fecho? Contra o frio da noite, o ladrão, o vento, a possível chuva, os insetos, os fantasmas e...o dia. Ao abri-la, aceito, afinal, o dia e recorto um pedaço de mundo para o reencontro: a minha paisagem. Alívio: ah, aí está ela! Nem sequer por um segundo imagino que não pudesse estar, porém a satisfação de reencontrá-la tem algo de encontro marcado. Durante horas estive no escuro de mim mesma, no mais íntimo, e ousei até sonhar o indizível, então, acordo para a claridade da paisagem.

Já tive várias, morei na Serra da Cantareira, onde sobre o lago, as nuvens pairavam abaixo de minha janela emoldurada por galhos de primavera enfeitadas com gotículas de orvalo brilhando ao sol da manhã. Em seguida, pela janela da cozinha ia dar bom dia ao pica-pau num tronco de palmeira. Depois morei no 11º andar, de frente para outros predios onde piscavam luzes humanas, não me incomodavam, apenas me lembravam que eu não estava sozinha. Três anos sem paisagem...

Agora tenho tirado o atraso. Ganhei uma paisagem. Abro a janela e olho na direção do leste, uma montanha verde ao lado do mar. Se ela está nítida contra o azul, tenho a impressão de que neste dia tudo correrá bem. Nuvens, OK, estão aí há bilênios. Aquela camada ferruginosa no ar, muito comum em São Paulo, não mais a vejo, (nem sinto). A notícia de que este será o inverno mais seco do século promete estragos na minha paisagem. Não importa, melhores invernos virão. Melhores séculos também.

No fim da tarde o sol descamba pelo lado oposto e me dá aquele momento mágico de luz, dez minutos, em que predominam suaves tons alaranjados, e depois se vai. Ao amanhecer ele volta discreto como partiu, alaranjando novamente o cenário nos primeiros instantes.

Neste dois momentos, ganhei nos últimos dias um companheiro inesperado. Ele vem e instala-se no parapeito da varanda. É um pássaro que não conheço, cinza esverdeado, pés e bico como de um periquito, pequeno penacho espetado na cabeça como de um pavão. Vem, pousa, às vezes pia alto, olha, passeia, observa e quando termina o espetáculo, vai embora. Gosto de pensar que é um apreciador de paisagens, como eu, e que vem me fazer companhia.

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